gole #99: somos menos adultos por não termos tido filhos?
Sem filhos, continuamos sendo filhos.
Oi queridos,
_Vocês já se veem como adultos ou ainda não?
Temos um grupo de whats app da nossa turma da oitava série.
E eu acho que esse pessoal que nos conheceu com 12, 14 anos é quem teve acesso a nossa melhor versão. É um turma que foi crescendo junto e descobrindo o mundo também. Não deu tempo da gente se desiludir juntos porque cada um seguiu seu caminho antes de encarar a braveza da vida. Por isso, a lembrança que cada um tem do outro é de risadas altas no intervalo, tomando refrigerante no saquinho plástico. O mundo era uma imensidão e nada podia nos deter.
O fato é que, esses dias, o Rafa mandou esta mensagem nesse nosso grupo: com 37 anos, vocês já se veem como adultos? E isso conectou muito com algo que eu penso sempre: nós, que não tivemos filhos, somos menos adultos?
Chegar em casa todos os dias e pensar somente no que eu vou jantar, assistir o que eu quero na TV, não ter a preocupação de ver se alguém do meu lado está respirando, comendo, bebendo, brincando, evoluindo, crescendo….faz de mim menos adulta?
Será que o sentimento de ser adulto vem como um brinde ao parirmos uma criança? Como se o mundo dissesse: acabou meu bem, agora você cresceu.
_Eu nunca vou me sentir adulto. Não sei se tenho essa sensação porque não tive filhos. Mas eu me vejo, no máximo, como um adolescente. Ao mesmo tempo, tudo passa tão rápido. Hoje eu sou um grisalho completo. E não é que eu tenha uns fios brancos, meu cabelo é branco, branco mesmo. Eu pinto a barba e o cabelo. E pintando minha barba esses dias, lembrei que parecia ontem que eu reparei que o meu pai estava com a barba branca. E olha que meu pai hoje já tem 70 anos. E agora sou eu lidando com a minha própria barba branca.
(RAFA)
É, Rafa….o nosso corpo envia diariamente sinais de que: acredita, você envelheceu. Mas a nossa mente ainda não entende, porque seguimos responsáveis apenas por nós mesmos, acionando ainda, muitas vezes, os nossos pais.
_Quando você tem filhos, eles passam a ocupar este papel de seres mais importantes da vida. Mas, sem filhos, as pessoas mais importantes nas nossas vidas seguem sendo nossos pais.
(MARI)
Sim, Mari. Sem filhos a gente segue sendo filhos.
_Eu acho que ser adulto é difícil pra todo mundo. Até pra quem se torna pai e mãe. Digo por mim mesma. Tenho uma criança interior dentro de mim que às vezes precisa gritar, precisa chorar. É tanta coisa. Serviço, casa, filho. Muita coisa ao mesmo tempo. Ser adulto é difícil pra todos.
(MAÍSA)
Então quando é que a gente cresce?
Maísa me garantiu aí em cima que ter filhos não crava no manual: bem-vindo, agora você é um adulto.
Eu, Clara, não me sinto nada adolescente. Nada. Me sinto bem mais velha que a minha idade, na verdade. Depois dos 30 eu envelheci rápido. Talvez pelo excesso de responsabilidade em ter uma empresa, que me tirou tantas noites de sono quanto um filho tiraria. E pelas cacetadas da vida que fazem a gente não ter outra opção a não ser superar, senão vamos ficando pelo meio do caminho.
Mas….ao mesmo tempo, eu tenho uma liberdade que eu prezo muito. Eu valorizo ela. Eu gosto de chegar em casa à noite, lavar a cabeça e deitar na cama para que o cabelo seque na toalha enquanto fico de boas no celular. Sem ninguém me chamar. Sem ter que pagar a conta de ninguém a não ser a minha. Isso me faz menos adulta? Não cuidar de alguém significa que eu não cresci?
Isso também me fez pensar que, de alguma forma, a vida nos torna adultos de muitas outras formas. Perto dos nossos 40, começamos a nos tornar pais dos nossos pais. Agora somos nós quem os acompanhamos nas consultas médicas e quem os aconselha a fazer isso ou aquilo. Antes, era a minha mãe que me dizia para eu acreditar em sonhos, pois qualquer desejo que eu tivesse poderia se realizar. Hoje, eu me vejo convencendo-a a não perder a fé, pois, embora aviões caiam e pessoas boas morram, ainda há espaço para sermos felizes juntos.
Será que quem não teve filhos, com o passar dos anos, tem os pais como filhos?
Eu não sei ao certo o que é se sentir adulta.
Me sinto muita adulta quando me comparo com situações passadas e vejo o quanto, hoje, eu lido com elas com mais maturidade. Talvez isso seja crescer. Mas, ao mesmo tempo, sou adolescente de novo em todas as vezes que volto pra Araçatuba e durmo na casa dos meus pais, esperando a janta da minha mãe e sabendo que, a qualquer mal estar, posso chamá-la no quarto ao lado.
Acho que todo mundo gosta de ser cuidado, porque cuidar é bagagem demais.
Ainda assim, quando estou com meus pais, me sinto, de alguma forma, retribuindo tudo o que eles abdicaram para cuidar de mim. E talvez quem tenha filhos se sinta assim também, porque um filho, quando chega, faz os pais se sentirem crianças de novo, brincando, aprendendo, descobrindo o mundo como se ainda não o conhecessem. Cuidar daquela criança é sua forma de dizer: mesmo com todos os sacrifícios, obrigado por me lembrar que esse mundo é mesmo muito bonito e eu posso ser criança com você.
Entendo que ser responsável pela vida de outra pessoa não é brincadeira, e é inevitável pensarmos que, pela tamanha responsabilidade que carregam, eles tenham amadurecido mais do que quem não é mãe ou pai. Mas, embora a gente tenha essa sensação de que são mais adultos, talvez eles sejam apenas como nós: eternos pré-adolescentes tomando refrigerante no saquinho, fingindo uma segurança para poder sobreviver.
Obrigada por me acompanharem até aqui.
Vejam esse espaço como um lugar aberto para dialogarmos e escutarmos uns aos outros.
🥹 Se postar um story do texto me marca? @claravanali
Gosto muito de repostar.
Tem música ao final desse gole.
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Para acompanhar seu gole
Essa música apareceu pra mim enquanto estava escrevendo essa newsletter. Besos de Fuego, do Trio Los Jaibos. Já está lá na minha playlist Jantarzinhos. Vai ser uma boa companhia para vocês trabalharem nesta terça-feira.
Fiquem bem.
Um beijo,
Volto logo.
Clara Vanali.
Sobre os Dias é uma newsletter da jornalista e filmmaker Clara Vanali sobre os sentimentos e emoções dos dias. Aqui você vai ler sobre sensações, vinhos e goles compartilhados, sobre riscos e superações, sobre conversas e experiências que deixam memórias.
Clara, não tem resposta para a sua pergunta. Acho que todo mundo percebe em algum momento que cresceu. Que tem cabelo branco. Que tem boletos e filhos. Mas cada um recebe a vida adulta de uma maneira. Eu recebi bem mal no começo dos meus trinta anos. Esgotei-me, sabe? Agora, aos 43, me sinto mais jovem, apesar da dor nos joelhos serem mais constantes. A relação com meus filhos é leve. Um amigo do meu filho disse outro dia: “sua mãe é legal, ela fala gíria e assiste One Piece”. Mas as crianças me rejuvenescem muito, assim como deram vida nova aos meus pais. Aliás, meus pais dizem que sou mais criança que minhas crianças. Ao mesmo tempo, tem gente que não tem filho e que é idoso com a minha idade. Rs. Na minha opinião pessoal, o melhor é não pensar nisso. Como sei que virei adulto? Não sei. Sei que vou vivendo, com maiores doses de responsabilidade aqui e menores ali. Me sentindo adolescente em alguns momentos e adulta em outros. A maturidade não é constante, não é finita e não acontece em todas as áreas da vida de uma vez só.
Acredito que a influência do ambiente exerça mais força que ter ou não gerado uma criança. Aquelas meninas que fogem de guerras no Oriente Médio ou os garotinhos que estão na rua vendendo doces para alimentar os irmãos menores sabem muito sobre responsabilidade, sobre abnegação, sobre dever. Mas não são adultos, embora esqueçamos disso. A maturidade, por sua vez, não é um marco temporal, mas ocasional. É possível ser maduro e cair na gargalhada com os amigos, mesmo sendo idoso. Assim como uma criança entende o ar pesado num velório e controla os impulsos de querer brincar na grama. Quem é pai ou mãe não transcendeu misticamente pra um Buda elevado. Meus pais tinham cansaço, tinham dor, tinham fome, mas também tinham amor. Não foi a maturidade que os ensinou a amar, mas é o amor que amadurece a gente e nos ensina a usá-lo com amigos, pais e filhos, no momento e na medida exata.