gole #116: a grande oportunidade
O que viemos fazer aqui ou sobre tudo o que não cabe no nosso controle.
Oi queridos,

Uma vez, no meu escritório aqui em São Paulo, prendi o dedo quando fui fechar uma gaveta e a dor foi tão forte que eu apaguei. Quando acordei, estava deitada no chão embaixo da mesa do meu computador. A dor veio no dia seguinte na bunda, costas e cabeça que, certamente, foi como eu caí: batendo uma parte do corpo de cada vez. Nada grave aconteceu, acordei sem entender o que tinha rolado e voltei a trabalhar.
A vida é tão besta que eu posso morrer sozinha no escritório?
Anos depois, descobri que, naquele dia, eu tive uma síncope vasovagal. De acordo com o Google: é quando o corpo reage a um gatilho — como dor intensa (tipo prender o dedo na gaveta com força), estresse emocional, medo ou até ver sangue — e ativa o nervo vago, que causa uma queda súbita da pressão arterial e da frequência cardíaca.
Resultado: menos sangue no cérebro por alguns segundos, e a pessoa pode desmaiar.
Muitas vezes me pego pensando sobre a vida durar mais para uns e menos para outros.
Quando estou na aula de pilates fazendo algum exercício, vejo a Laura, aluna que também se exercita no mesmo horário que eu, e penso: será que eu vou morrer antes dela ou ela vai morrer antes de mim?
A Laura tem 65 anos. 3 pontes de safena. Nunca parou de fumar.
Tem também a síndica do meu prédio e a irmã dela. Todos os dias as vejo no bar ao lado do condomínio bebendo e fumando. Todos os dias. Bebendo e fumando. Uma delas já teve câncer de mama.
Quem vai primeiro?
Eu ou elas?
E assim me vejo olhando pra algumas pessoas e repetindo: eu ou ela, eu ou ela.
Porque não há regra. Não é necessariamente um cigarro que vai te matar.
Essa vida é maluca e difícil pra todo mundo, longe de mim julgar o que cada um fuma, bebe e come. É que a gente acha que consegue controlar a durabilidade da vida com rotina regrada, hábitos saudáveis, mas de repente pode apenas cair e morrer.
Minha mãe escreveu uma mensagem essa semana falando que o chuveiro do banheiro do rancho (rancho é uma casinha de campo que eles tem na beira do rio tietê, em araçatuba, pra onde eles vão aos finais de semana) pegou fogo e queimou. Mas não queimou assim, de levinho. Ele explodiu virando um torrão de carvão e espalhando uma fumaça preta com cinzas pelo rancho inteiro, que invadiu até os guarda-roupas que estavam fechados, sujando tudo, desde as roupas, até cama, quadros, paredes, tudo. Os quartos e banheiros serão pintados novamente porque não tem como limpar.
Vendo a foto do chuveiro carbonizado, a gente ficou pensando se isso tivesse acontecido em um dia em que eles estivessem lá, tomando banho ou até dormindo à noite. E se o forro fosse de madeira, e se….muitas coisas, dentro de vários e se, que me fazem pensar:
Qual controle temos da vida?
A gente se esforça. Em São Paulo, com o sinal fechado, eu olho duas vezes pra ver se os carros estão mesmo parados, para eu poder atravessar. Mas e a poluição que esses carros estão expelindo e eu estou respirando, consigo mensurar o que fazem dentro de mim?
Me recordo de um médico que eu entrevistei dizendo que a maior causa de câncer de pulmão é o cigarro e a segunda maior causa é morar em cidades grandes como São Paulo.
Também acho cômico quando encontro alguém muito obstinado em comer as proteínas diárias se enchendo de whey, creatina e barrinhas "saudáveis” que se encaixam (em sua maioria) na categoria de ultraprocessados.
Às vezes o que estamos controlando é o que está nos matando.
Adoro o trecho desse filme que, entre vários conselhos que o pai dá para o seu filho, um deles é: não morra.
Mas então, pra quê exatamente estamos aqui?
Sempre penso na vida das abelhas, que (exceto a rainha) podem chegar a no máximo 5 meses. Invejo como elas nascem e já sabem tudo o que tem que fazer: atuam desde a limpeza e manutenção da colmeia até a coleta de alimento e a defesa da colônia. Nasceram pra isso, sabem disso. Diferente de nós, que não sabemos nada.
Viemos para trabalhar?
Pra cuidarmos criteriosamente da saúde e vivermos mais?
Para sermos felizes?
Para termos filhos?
Para sermos exemplos de resiliência e superação?
Pra quê?
Fecho olhos e me apego aos dias. No amor que tenho ao ver minha família, o rostinho deles dando risadas, as brincadeiras bobas com meu sobrinho, almoçar com minha irmã, celebrar cada novo projeto no trabalho com uma equipe massa demais de compartilhar.
A vida certamente está nos encontros. No amor que deixamos em cada um, até quando estivermos aqui.
Seguimos na fragilidade e não na segurança. Sabemos nada e nem por quanto tempo. Mas gosto de vislumbrar isso tudo, o estar nesta vida, como uma grande oportunidade.
Imagina? Ter essa oportunidade.
: )
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Deixei música ao final 🎶
E se gostou desse texto, pode ser que goste do gole 111: 20 anos, uma mesa e agente junto.
Para acompanhar seu gole
Boa semana pra vocês com Drão, tocada por Hamilton de Holanda & Mestrinho:
Fiquem bem.
Um beijo,
Volto logo.
Clara Vanali.
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Sobre os Dias é uma newsletter da jornalista e filmmaker Clara Vanali sobre os sentimentos e emoções dos dias. Aqui você vai ler sobre sensações, vinhos e goles compartilhados, sobre riscos e superações, sobre conversas e experiências que deixam memórias.
Eu tenho o mesmo costume de olhar para as pessoas e me perguntar quem vai morrer primeiro. Um hábito que carrego desde criança, que foi quando nasceu meu medo de morrer também kkkk
adorei e amo o filme que você citou, acho que é um dos que mais me marcaram, em vários sentidos. ✨