Oi queridos, tudo bem?
Sentados no Ráscal, nosso restaurante da vida em São Paulo, perguntei aos meus pais, aniversariantes de fevereiro:
- Quantos anos você vai fazer este ano, pai?
_ 72.
- E você, mãe?
_ 65.
- Vamos devagar com essas idades aí…
Quando eu me mudei pra São Paulo, 20 anos atrás, fomos jantar no Lellis Trattoria, clássico da Bela Cintra, no Jardins, pra celebrar minha primeira noite como moradora da capital. O jantar acabou sendo o mais triste da história, pois entre macarronadas molhudas e maravilhosas, caíam litros das minhas lágrimas sobre a mesa a cada garfada em que eu pensava: por que, aos 17 anos, eu tinha que me despedir da minha família e morar sozinha em uma cidade gigante onde eu não sobreviveria por um ano.
Pois cá estamos, com 20 anos sobrevividos.
E, nesses anos, todas as vezes em que minha família vem me visitar, vamos ao Ráscal da Alameda Santos. Trocamos o Lellis pelo Ráscal porque sempre é uma boa hora para uma pizza paulistana e, lá, portanto, acabou se tornando nosso quintal. E nem é pelo buffet maravilhoso. A gente vai no simples: uma pizza, nosso vinho trazido de casa, o pãozinho deles, caipirinha para minha mãe, azeite no prato e, a depender da pauta da noite, risos ou lágrimas.
Desta última vez, um garçom novo do restaurante perguntou?
- Já frequentam a casa?
_Só há 20 anos, moço.
- Puxa, então vou trazer um antepasto por conta da casa!
Ráscal sendo Ráscal. Uns queridos.
Meu pai pegou na minha mão e disse: - 20 anos já de São Paulo, filha?
_Sim pai, 20 anos…
Quando iniciamos nossos jantares no Ráscal, meu pai tinha 52, minha mãe, 45. A gente quase se esquece do milagre que é estar sentado na mesma mesa onde nos sentamos há 20 anos, comendo uma pizza como se fosse algo trivial, mas que, na verdade, é uma conjunção de dias, escolhas e sorte que nos fazem estar lá: inteiros, brindando um fim de tarde.
É como se cada um tivesse a responsabilidade de se manter vivo para que a gente volte sempre para aquela mesa (olha pra atravessar a rua_não fica com o celular dando sopa_vê a validade desse leite_corre pro hospital que esse sintoma tá estranho_não bebe muito_conhece esse cara da onde?_liga quando chegar em casa?_arrumou o vazamento do teto?_tá comendo fruta?_passou pomada naquela coceira?_desligou a cafeteira?)
Esses dias, minha irmã Larissa falou algo que me pegou: viver é evitar morrer.
O que acontece na vida de uma família em 20 anos?
Na nossa, como na de vocês, foram muitas coisas. Dezenas de dias bons, mas também…câncer de pele, cirurgias no pé, cirurgia de próstata, gravidez, depressão, mudança de emprego, embolia pulmonar, covid, dengue, reforma de apartamento, morte dos avós, relacionamentos que começaram e terminaram, traição, início e fim de projetos, despedidas, estradas, viagens, decisões e enfim….
todo um circuito de ações que, tomando o caminho desejado ou não, encontrou uma saída e nos sustentou de pé para seguirmos juntos até hoje. São tantas variáveis — e cá estamos.
Eles lá, eu aqui. Cada um tem a responsabilidade de se manter vivo até o próximo jantar.
Tem um livro que não está no hype, que não tá nas listas, mas que já é minha leitura favorita dos últimos meses: Leve como o ar. Que, na verdade, deveria se chamar Pesado como uma pedra. Lindíssimo e sincero como poucos. Conta a história real de uma dançarina italiana, Ada d’Adamo (autora do livro) que narra sua experiência como mãe de uma menina que nasceu com uma grave doença neurológica e que, por volta dos 16 anos da filha, descobre um câncer em si mesma.
Em uma das passagens, ela diz:
Como uma ferida suturada sobre a qual o cirurgião volta a cortar com um bisturi afiado. E abre-a de novo. Continuei a viver. Um dia, outro dia, mais um dia. Viver mais um dia todo mundo dá conta.
As famílias estão sempre vivendo mais um dia. Mesmo naquele que parece impossível de chegar até o fim, nós vencemos pelo conjunto da obra. Nem sempre por nós, mas por eles. E assim vamos desenhando história, dormindo uma noite melhor do que a outra, entendendo que o sofrimento, uma hora, vai doer menos, mesmo sabendo que outros virão.
Não estou falando de nenhuma família perfeita (a minha não é) e, quando digo famílias, me refiro a qualquer pessoa em quem você possa se apoiar, que esteja ali para segurar as pontas.
Para mim, sentar com eles ali no Ráscal, algo que acontece uma vez a cada três meses, mais ou menos, é nosso momentinho, é a certeza de um dia bom. A gente agradece por mais uma idade, por mais um pãozinho quente na mesa e pela esperança de que, independentemente de como sejam nossos dias, nós voltaremos a nos reunir naquela mesa.
_feliz aniversário pai. feliz aniversário mãe.
vamos devagar com essas idades aí…
Obrigada por me acompanharem até aqui.
Soltei um papo novo no meu podcast em que eu entrevisto Lenize Villaça, minha professora dos tempos de faculdade, para falarmos, entre outras coisas, sobre sonhos e recolocação no mercado de trabalho após os 50+. Pra te fazer companhia:
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Deixei música ao final 🎶
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Para acompanhar seu gole
Fiquem bem.
Um beijo,
Volto logo.
Clara Vanali.
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Sobre os Dias é uma newsletter da jornalista e filmmaker Clara Vanali sobre os sentimentos e emoções dos dias. Aqui você vai ler sobre sensações, vinhos e goles compartilhados, sobre riscos e superações, sobre conversas e experiências que deixam memórias.
não sei se é a tpm, mas me emocionei. obrigada!
Chorei logo ali no segundo paragrafo... não se faz isso com uma filha que mora do outro lado do oceano e não vê os pais há mais de 2 anos. Não vejo a hora do meu reencontro com pizza!