Oi queridos,
Saudades disso aqui, da nossa troca. Desculpe o sumiço.
Isso aqui me faz mais falta do que vocês imaginam. Os últimos meses foram de aventuras — e, às vezes, a gente precisa viver, descansar, para depois vir contar.
Uma coisa que sempre acontece comigo é: depois de uma correria muito grande, aparece um terçol no meu olho.
Taí uma coisa tenebrosa que voltei a ter nos últimos anos. É só juntar alguns dias puxados que ele aparece — uma bolota no olho, cheia de pus.
E, entre todos os avanços da medicina, o terçol ainda é curado com água quente.
Até existe uma pomadinha antibiótica que serve como consolo emocional, mas diversos oftalmologistas já me disseram: remédio bom pra terçol é água quente.
Mas eu não vim falar de terçol, vim falar de férias.

Desde quando montei a empresa, 12 atrás, nunca mais consegui tirar férias em paz. Esse é um recado que eu deixo para os futuros empreendedores: você vai ter muito mais vontade de trabalhar quando tiver sua própria empresa, mas jamais irá tirar férias como um CLT. Pra mim, em todos esses anos, foi sempre uma luta. Eu marco com meses de antecedência, e, quando a data se aproxima, surgem projetos — e eu acabo terminando de arrumar as malas com culpa, achando que estou errando por me ausentar por cinco dias, com o whats app ligado. Mas não tem jeito: ou você deixa algo para trás, ou nunca vai viajar.
Novembro passado combinei com minha irmã que, na Páscoa de 2025, iria levá-la pra conhecer Nova York, cidade que eu tenho um carinho especial porque foi onde estudei durante 1 mês, muitos anos atrás e, inclusive por isso, tenho certa familiaridade com suas ruas e lugares. Seria uma viagem fácil, sem tantos planos, jogo rápido. Pegaríamos o feriado da Páscoa e acrescentaríamos mais 3 dias de passeio, nem notariam nossa ausência na empresa. Inclusive, esses planos de ir pros EUA foram feitos antes da reeleição de Trump e toda a loucura que ele vem causando. A gente quase desistiu de ir, ainda bem que não.
Pois quando tivemos essa ideia de NY, minha mãe, na hora, disse que iria junto.
Eu nem achei que fosse possível, porque ela tem duas cirurgias no pé e convive com dor diariamente. E Nova York é uma cidade feita para caminhar.
Mas minha mãe tem um lema de vida que eu amo: nunca perca uma oportunidade de passear. Pois então iríamos nós três — da forma que fosse. Jogando os papéis pro alto, mancando se fosse preciso, e nos permitindo respirar, por alguns dias, por ruas que não as nossas.

“A viagem é um assunto sério. Etimologicamente, em inglês travel deriva do francês travail, que por sua vez tem origem no termo latino tripalium, que designa um instrumento de tortura. De fato, não é fácil viajar: viajar significa perder a inocência, perder o nosso conforto, as nossas referências, partir muitas vezes rumo ao desconhecido. É uma fuga ao inalcançável - que nos obriga a assumir o desconforto e a solidão e a interromper a vida a que estamos habituados num determinado lugar sem poder dar uma explicação racional.”
Esse é um trecho maravilhoso do livro Mulheres Viajantes, da Sônia Serrano.
Viajar é sair do conforto para se arriscar em um lugar com outro clima, outra língua, pessoas desconhecidas e uma cama que não é a nossa. Por que fazemos isso?
Fiquei pensando que viver, na essência, é isso: desconfortar-se. Porque, quando estamos no sofá, olhando para TV, é a vida dos outros acontecendo, não a nossa. E não estou criticando. Eu amo meu sofá. Mas viver é movimento, é se arriscar a ir para rua, andar a pé, pegar metrô, ônibus, táxi; comer uma comida que não é a que você fez; conversar com pessoas que você nunca viu. O movimento de viver vai ser sempre desconfortável. O que não significa ruim, significa sair da base a qual estamos acostumados. Eu escolhi Nova York, porque pensei que fosse mais fácil do que qualquer outra cidade, mas foi aí que eu entendi que nenhuma viagem é fácil. Foram alguns finais de semana preparando o roteiro de forma que ficasse prática a nossa locomoção, semanas trabalhando até mais tarde para adiantar coisas que poderiam aparecer, pesquisar seguro viagem, torcer pra ninguém ficar doente nos 8 graus que estariam por lá, pegar um voo de 10 horas tendo medo de avião, chegar nos EUA e ficar em pé 2 horas na fila da imigração, dividir um quarto em três para não gastar tanto.
Mas é aí que a autora Sônia Serrano explica o que nos leva a deixar o conforto: “viajar é essencialmente descobrir, descobrirmos-nos a nós e o reflexo da nossa vida nas etapas da viagem, assim como descobrirmos o outro sem o conforto das referências que nos são imediatas.”
Foi bonita a nossa conexão nos 7 dias que ficamos por lá. Caminhamos de 12 km a 15 km por dia e minha mãe, Deus sabe como, foi com a gente em tudo. Andou a pé, de metrô, não reclamou de dor nem um segundo, embora certamente estivesse sentindo dor a todo momento. Como eu já tinha ido, consegui levá-las a roteiros não muito turísticos, fugir da Times Square, do Empire State Building, da Estátua da Liberdade, da andança em cima da ponte do Brooklin e ir só naqueles em que (na minha opinião) valeria a pena a nossa energia e as nossas pernas.
Nova York é uma cidade muito segura, então você pode ir de uma ponta a outra com o celular na mão, checando trajetos a pé ou de metrô pelo Google Maps, sem medo de ser assaltado.
É uma sensação realmente muito boa — e que a gente acaba esquecendo na tristeza que virou São Paulo, onde não dá pra usar o celular nem dentro de um Uber, com o risco de quebrarem a janela e o levarem de você.
Pegamos uma primavera de dias de sol. Todos. Pude reviver algumas coisas que sempre me confortam em Nova York. O sorvete de morango da Van Leewen, embaixo da ponte do Brooklin, o Cacio e Pepe que só tem no Eataly em frente ao Madison Park, o iogurte com frutas vermelhas da Chobani, no bairro do Soho. Nós andávamos o dia todo, chegávamos no hotel por volta das 19h, tomávamos um banho quentinho e ficávamos assistindo ao nosso canal favorito no Youtube pensando na programação do dia seguinte, recuperando as solas dos pés. Viajar também é descansar.
Encontramos uma padaria italiana (Itália sempre vencendo na culinária) que virou nossa estação de conforto nos cafés da manhã e jantares. Conseguimos comer sanduíches mais saudáveis que não apenas os hambúrgueres americanos (embora seja preciso dizer: os americanos fazem os melhores hambúrgueres. Aproveito e deixo a dica do Creamline, no Chelsea Market).

Uma das coisas mais legais foi termos descoberto uma loja de pôsteres icônicos e clássicos no bairro de Tribeca, perto do Marco Zero. O dono é um senhor nos seus 80 anos, Phillip Williams, que coleciona pôsteres desde 1973 e tem a maior coleção do mundo de pôsteres originais à venda. Eu trouxe 3 na mala mas a vontade era de ter trazido uns 30. Cada pôster de tamanho médio (desses colados na parede da foto abaixo) custa na faixa de 17 dólares. Os grandes são mais caros. Ficamos horas por lá, olhando tudo sem pressa enquanto ouvíamos a playlist que o sr. Phillip deixa tocando no ambiente (inclusive, coloquei uma música dessa playlist no final da newsletter).
O melhor? Poucos turistas. Um lugar de paz e inspiração para estar.

Acho que o melhor das viagens é não querer fazer a viagem que todo mundo faz. E tudo bem também se quiser fazer. Se preferir ir nos lugares mais turísticos, vai (acho que faz parte, principalmente na primeira vez). Mas sem a pressão de cumprir metas só para postar ou chegar em lugares históricos pra tirar da lista. Nova York, para mim, sempre foi muito mais legal fora do circuito compras. Principalmente agora, com o dólar no céu. A cidade é linda. Se você nunca fui, experimente se perder nos museus maravilhosos da cidade, nas ruas charmosas do Greenwich Village e nos mercadinhos de comida do Hell’s Kitchen.
Para nós, essa viagem foi uma superação: para minha mãe, que nem sabia que era capaz de andar 12 km por dia; e para mim e irmã, que não desistimos da viagem mesmo quando tudo parecia desfavorável.
Como aconselha minha mãe: nunca, na vida, perca uma oportunidade de passear. Pode ser em outra calçada, numa cidadezinha aqui perto, num cinema novo que você nunca foi. As referências vão ser outras e o conhecimento adquirido vai te fazer uma pessoa mais interessada nos outros e na sua própria vida.
Viajar faz a gente olhar pra gente, de novo.
Obrigado mãe e Larissa por toparem meu convite de viver 1 mês em 7 dias. Ver a carinha feliz de vocês ao cruzarmos cada esquina, fez meu ano. Foram dias muito felizes. Amo vocês.
De hoje em diante, jamais perderemos uma oportunidade de passear.
Obrigada por me acompanharem até aqui.
Se você apertar no ❤️ ao final deste e-mail, vai me dar um abraço virtual e indicar que gostou do texto. Ah, eu vou adorar ter seu comentário também.
. Deixei música ao final 🎶
. Conhece meu livro de viagens?
Para acompanhar seu gole
Um das canções que estavam tocando na playlist do sr. Williams, na loja de pôsteres. Sente a vibe. Bruce Springsteen é ouro demais:
Fiquem bem.
Um beijo,
Volto logo.
Clara Vanali.
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Sobre os Dias é uma newsletter da jornalista e filmmaker Clara Vanali sobre os sentimentos e emoções dos dias. Aqui você vai ler sobre sensações, vinhos e goles compartilhados, sobre riscos e superações, sobre conversas e experiências que deixam memórias.
Dá pra sentir o quanto essa viagem foi aguardada só pelos rostos das três garotas no elevador. E a confirmação de que foi tudo lindo tá nas fotos do lugar e no seu texto leve e delicado. Leva a gente pra passear com você sempre, tá?
que viagem fantástica! e tô embasbacada com as fotos, que lindezas! a da sua mãe, que abre esse texto, está um desbunde. ps: não vejo a hora de tirar minhas férias!