Oi queridos,
“Vemos o mundo uma vez, na infância. O resto é memória.”
(Louise Gluck)

É como se eu vivesse me despedindo.
Esses dias, enquanto estava deitada com a minha mãe, o gato dela quis subir na cama. Coisa que ele faz desde sempre. Ela está vendo TV, ele pula na cama para ficar com ela. Mas o Branco, na idade dos gatos, já é considerado geriátrico (completou 14 anos) e, quando ele foi dar o impulso, parou no meio do caminho e ficou esperando ela ajudá-lo a subir.
Fiquei triste. Achei rápido o tempo dele. Os seres humanos certamente são mais burros que os animais porque a gente precisa de muito mais tempo de vida para vislumbrar este mundo. Os bichos, com tamanha inteligência, conseguem viver o presente e apenas ele - sem distrações - então, absorvem toda sua beleza com rapidez, cumprem sua missão e morrem.
Divagações.
Vim pro interior esta semana. Eu ia vir só no Natal mas São Paulo está tão barulhenta que eu precisava dessa pausa para ganhar uma energia até dezembro. É bom tirar férias de São Paulo para lembrar o que nos faz estar lá.
São Paulo se esgotou. Um trânsito cansado que nos leva para restaurantes onde se paga 60 reais num drink. E ruas por onde passamos a caminho da academia, querendo ficar saudáveis, enquanto há moradores de rua pelo chão, pedindo a garrafa de água que temos nas mãos, porque nem água eles têm.
A maior metrópole do Brasil é também grande em não acolher.
Ontem, aqui em Araçatuba, brinquei com meu sobrinho que eu era o dinossauro longo e ele era o curto. O longo tem asas compridas. O curto tem asas bem miudinhas mas que mexem muito rapidamente. Às vezes ele me mordia no caminho e eu perdia uma das asas. E por vezes eu o mordia e ele perdia suas asas curtinhas, andando apenas com as patas. Como ele corria muito mais rápido do que eu, minha irmã me apelidou de dinossauro múmia. E nessa história inventada de corridas e mordidas, a gente se acabou de dar risada.
Louise Gluck estava muito certa quando disse que vemos o mundo apenas uma vez, que é quando somos crianças. O resto da vida a gente fica tentando encontrar a mesma sensação de correr gargalhando e só se depara com o aperto da finitude. Da finitude do gato subindo na cama. Das mãos dos meus pais enrugando. Da finitude de abrir a janela no rancho e ver as as árvores dançando. E o vento fazendo vrum, vrum, vrum.
Eu vou olhando e me despedindo. Na verdade, nos despedimos a todo momento porque a vida não volta, mas parece que perto dos 40, ficamos mais vulneráveis às despedidas. Meu sobrinho um dia vai ter 12 anos e não vai ligar mais para dinossauro longo ou curto. E nem para mim. Mas eu espero manter guardadinhas aquelas gargalhadas para quando eu quiser me esquecer de São Paulo e ir para um lugar bonito no meu coração.
Minha mãe quer que a gente vá esta semana para Catanduva levar flores para minha avó que morreu em 2008. Todo ano, quando chega perto de Finados, ela quer ir para lá. A gente resmunga com ela que é um trampo ir para Catanduva levar flores pra quem não está mais lá, mas no fundo, a gente só não quer ir porque sabe que vai chorar muito. Eu nunca mais voltei para Catanduva desde quando minha avó morreu. Eu me despedi dela no velório e sumi, levando comigo ela, a praça, a sorveteria e a casa dela para quando eu quisesse fechar os olhos e buscar a minha infância de novo.
No fundo, as despedidas nunca acabam no momento em que acontecem. Você se despede de alguém ou de uma sensação, mas a partir daí, ela continua se repetindo muitas vezes dentro da sua cabeça. E é isso que cria memórias, que podem ser lindas ou tristes. Lindas e tristes.
Acho bonita a maneira como nos conectamos melhor com os dias quando estamos perto da natureza ou de quem amamos. Quando brincamos com crianças. Ou ao observar o descanso dos animais. Longe das telas. Nas paisagens pelas janelas. Nos gestos de afeto. É como se víssemos o mundo nos abrindo para aprender. Este ano, em especial, sinto que consegui absorver mais desses momentos, estando mais presente em tudo. É como se o tempo me cutucasse a cada experiência e dissesse: aproveita porque eu passo e, um dia, também vou me despedir de você.
Tem episódio novo do meu podcast ao final desse gole, com duração bem curtinha - apenas 3 minutos - sobre os nossos dias de rua, que - diferente dos dias de rolagens infinitas no celular - vão criar as nossas memórias 🎶
Obrigada por me acompanharem até aqui.
Se gostou desse texto, vou adorar ter seu like ou comentário ❤️
🥹 Se postar um story do texto me marca? @claravanali
Gosto muito de repostar.
Para acompanhar seu gole
Inspirada por uma experiência recente, compartilho uma crônica em áudio para nos questionar dos momentos que deixamos escapar enquanto estamos presos às telas. Um convite para repensar o que queremos levar conosco. Aproveitem :)
Fiquem bem.
Um beijo,
Volto logo.
Clara Vanali.
Considere se tornar um assinante desta newsletter, gratuito ou pago, para apoiar meu trabalho como escritora. Muito obrigada :)
Sobre os Dias é uma newsletter da jornalista e filmmaker Clara Vanali sobre os sentimentos e emoções dos dias. Aqui você vai ler sobre sensações, vinhos e goles compartilhados, sobre riscos e superações, sobre conversas e experiências que deixam memórias.
Lindissimo!
sempre bom lembrar que a vida acontece no presente, né? quando a gente se torna adulto, fica pensando demais em passado e futuro e esquece de viver o agora, como fazem as crianças e os animais. precisamos nos lembrar mais vezes disso e aproveitar o instante.