gole #100: nem tudo que começa precisa ficar
Como vocês lidam com o início e o encerramento dos capítulos da vida?
Oi queridos,
Às vezes eu invento umas coisas. E não necessariamente essas coisas duram.
Uma vez tive vontade de entrar num curso de desenho. Comprei lápis de todos os tipos, nanquim, borracha, papeis dos mais diversos, réguas, canetas e fui. Me inscrevi numa escola ali na Vila Madalena, o curso durava 4 meses (quase uma graduação ☺️).
O que eu mais gostava dessa época era de poder andar pelo bairro antes das aulas e de carregar um estojo na bolsa (me sentia nos tempos de escola), com uma possibilidade imensa de ferramentas e cores pra criar. Eu entrei achando que terminaria como uma desenhista profissional, mas saí tendo a clareza de que desenho não é pra mim.
Desenho é uma questão de observação e prática, muita prática. Eu consegui desenhar objetos e casas que jamais conseguiria fazer antes do curso, mas…olhando o desenho do coleguinha ao lado, entendi que vocação não é algo que dá para pegar emprestado. Eu até poderia avançar mas, do fundo do meu coração, entendi que não era pra mim. Fiz o curso inteiro, absorvi tudo o que pude e me retirei do espetáculo. Dei os lápis, canetinhas e folhas de presente pro meu sobrinho.
Tive uma fase de corrida também. Essa eu parei por uma questão de joelho, porque vontade eu tinha. Minha primeira corrida de rua foi de 10 km. Me preparei como ninguém. Foram muitos treinos na esteira que me renderam o único grupo de amigos de academia que eu consegui fazer na vida. Sempre corríamos juntos. Nessa minha primeira corrida, o Nicolas do nosso grupo (que tinha o dobro da minha altura e resistência para correr bem mais rápido do que eu) decidiu não sair do meu lado nos primeiros 8 km. Ele podia ter dado um sprint e finalizado o percurso bem antes. Mas não. Ele insistiu em me dar apoio, correndo no meu ritmo para que eu não desistisse. E ele ainda era bonito. E eu ainda gostava dele. Foi um dia perfeito para a corrida e para o coração.
Venci os 10 km e achei que corrida seria minha vida. Não foi. Porque nem sempre é a gente que decide quando parar, às vezes a vida para pela gente.
Quando eu comecei esta newsletter, 100 textos atrás, eu queria escrever uma newsletter honesta e que - mais do que escrever - me desse vontade de sentar pra ler. Sem tantos links com recomendações, mas mais com textos francos falando sobre temas que nos são comuns: saudades, cacetadas, superações, dias….queria fosse sobre isso, sobre os nossos dias. E escrevendo, quase que com uma frequência semanal, cheguei hoje à edição de número 100. Graças a cada emailzinho que me foi enviado por vocês agradecendo, graças a cada texto que vocês me marcam no instagram e a cada comentário que vocês me fazem quando me encontram pessoalmente: ei, eu gosto da sua newsletter. Lá atrás, no meu primeiro texto, eu não sabia se a newsletter seria um projeto pra ficar. Mas eu escolhi que ela ficasse e vocês me incentivaram a mantê-la.
Estou contando isso tudo, minhas queridas e queridos leitores, pra dizer que a sua vida é feita de muitos capítulos e só cabe a você entender como irá percorrer cada um deles. Não tem problema nenhum em você começar um capítulo e, depois que ele terminar, decidir não seguir mais. Ou em você nem terminá-lo e parar na metade. Ninguém tá nem aí, vai por mim.
E não estou te incentivando a largar tudo pelas beiradas, não é isso. Estou dando exemplos de que não é porque alguns projetos de vida duram mais e outros menos, que não valeu a pena vivê-los. Eu aprendi a desenhar embora não tenha talento para isso. Fiz uma corrida de rua superando meus limites, mesmo que correr não faça mais parte dos meus dias. E mantenho uma newsletter que - ao completar o número 100, me dá muito orgulho e um sentimento de que a missão foi cumprida - embora eu sinta que ainda não é hora de parar.
A gente cria as nossas histórias e constrói um enredo em volta delas, mas o mais importante é que façam sentido. Porque quando não fizerem mais, é hora de se afastar. Nenhum livro virá te pedir satisfação se você decidir guardá-lo sem terminar.
A vida precisa de espaço. Dê espaço para a sua vida. Para olhar para o lado, se arriscar e ir escolhendo o que deve ou não permanecer. Encerre os capítulos de cabeça erguida. E abra terreno para novos ipês florescerem.
Uma amiga próxima, a Vanessa, me lembrou que, quando eu pedi demissão da Editora Abril, eu disse a ela: - Amiga, eu já vivi esse sonho, o sonho de trabalhar aqui. Agora é hora de viver outras coisas.
Nem eu me lembrava de tamanha maturidade.
Nessa de abrir espaço, decidi criar um spin off desta newsletter. Para quem não sabe, spin off significa fazer uma derivação de algo existente. Acredito que, em até 2 semanas, venho com um projeto novo para ser um complemento de quem gosta de me ler aqui :)
será que vocês vão gostar? 🤭
olha aí novos ipês florescendo…
Feliz 100 goles, leitores!
Feliz a vocês que me fazem cultivar esta newsletter com tanto carinho. É um capítulo longo e que não está perto do fim :)
Seguimos.
Obrigada por me acompanharem até aqui.
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🥹 Se postar um story do texto me marca? @claravanali
Gosto muito de repostar.
Tem música ao final desse gole 🎶
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Para acompanhar seu gole
A Liniker lançou álbum novo, o Caju. Em uma entrevista, ela contou que, um belo dia, uma moça disse que a boca dela parecia um caju. A partir daí, Liniker começou a pensar que - se ela fosse uma outra pessoa - Caju seria um bom nome para um alter ego. O resto é história. Aproveitem essa lindeza de música, que é a minha favorita:
Fiquem bem.
Um beijo,
Volto logo.
Clara Vanali.
Sobre os Dias é uma newsletter da jornalista e filmmaker Clara Vanali sobre os sentimentos e emoções dos dias. Aqui você vai ler sobre sensações, vinhos e goles compartilhados, sobre riscos e superações, sobre conversas e experiências que deixam memórias.
Bom pra gente a sua decisão de continuar entregando textos tão tranquilos e bonitos como este :)
Que texto sensato e sincero. Obrigado por ele ❤️