88 #octogésimo oitavo gole: feliz aniversário, envelheço em Mendoza
É permitido eleger datas como desculpa para comemorar viajando
Oi queridos, tudo bem?
Nos meus 28 anos eu fiz uma festa no salão de festas do meu prédio, chamei 40 pessoas e pedi para que, em vez de presente, me trouxessem uma garrafa de vinho. Foi uma festa linda, com gente de todas as turmas, muitos abraços, música e bexigas pelo teto. Que bom que aproveitei esse momento.
Eu não poderia fazer isso nos meus 37 porque não tenho mais 40 amigos para chamar e porque, de repente, me veio a vontade de usar meu aniversário como desculpa para dar uma descansada de São Paulo. Pra um lugar que não fosse tão longe a ponto de ficar muitas horas num avião e nem tão perto que não parecesse diferente o bastante.
E se fossemos pra Mendoza visitar umas vinícolas, curtir umas caminhadas pela cidade e beber uns vinhos?
Guardem esta frase, amigos: os filhos nascem para levarem seus pais para viajarem. Eu não sabia que era essa minha função, mas descobri nessa viagem. Mendoza me veio como um clique. Eu gosto de vinho, meus pais também, são 3h30 de voo, os vinhedos esta época estão verdinhos e o frio vem só um tiquinho à noite. Eles toparam e a gente começou a organizar.
Viajar nunca é simples. Eu sempre acho que um cosmo inteiro tem que se planejar para tudo dar certo. Mesmo sendo perto, você precisa agendar o roteiro com as vinícolas, preparar seguro saúde, combinar transfer, habilitar celular, cartão, trocar dinheiro, além da torcida para ninguém ficar doente na véspera, não pegar uma covid ou uma dengue que possa complicar os planos.
Então só de entrar no avião e estar no céu, eu já comemoro.
Conseguimos.
Chegamos em Mendoza.
Pois eu, que cheguei com uma expectativa 3/10, saí de Mendoza com 10/10 aplaudindo de pé. Ruas arborizadas, cidade tranquila, praças limpas com a criançada feliz brincando e um parque central (San Martín) grandioso de lindo. Não tem aquele vuco vuco de turistas, filas, aglomeração. Se eu pudesse definir a cidade em uma palavra seria: silêncio.
E aqui, claro, tô falando do meu lugar privilegiado de poder viajar, ficar num hotel gostoso e sair pela cidade sem passar perrengue. Argentina tem seus (muitos) problemas econômicos e oportunidades desiguais - assim como o Brasil - que enquanto uns tomam vinho, outros pedem dinheiro nas ruas.
Mas olhando aqui como uma cidade turística, me senti no interior.
Solzão de março na cabeça, climinha fresco que pedia um shortinho, um tênis e a vontade, que não nos faltou, de ficarmos a esmo caminhando pelos quarteirões.
Na primeira vinícola que visitamos (Bodega Lagarde), sentamos embaixo de uma amoreira gigante, de frente para um vinhedo, que parecia um cenário de filme. E sem frescura. Sem aquela pompa de “ui, vamos tomar o vinho tal e tal”. Não. Fomos recebidos com um super carinho, com atendentes disponíveis para explicar a história das vinícolas e uma brisinha boa que fazia voar o vinhedo e também o nosso coração.
Os olhos dos meus pais se umedeceram. Que tarde para guardar. Fiquei pensando que as melhores refeições da nossa vida vão ser sempre embaixo de uma árvore. Fecha os olhos e pensa num almoço/jantar especial da sua vida. Ou num café da manhã. Se você não conseguiu se lembrar de algum, experimente se acolher embaixo de uma árvore. Ela vai ser sempre a resposta. Às vezes a gente só precisa sair um tiquinho da calçada onde a gente mora, pra dar aos olhos um abraço acolhedor.
A segunda (Andeluna) era de frente para a Cordilheira. Coisa mais preciosa. Fim de tarde em que era permitido até tirar um cochilo no sofázinho de frente pro vinhedo. Entramos numa brincadeira de fazermos nosso próprio vinho, embalamos e levamos na mala de presente pra minha outra irmã, que não foi conosco.
Em um momento, minha mãe vira pra mim e fala_ aquele moço ficou olhando pra você.
_que moço?
_aquele ali.
Fiquei pensando que algumas pessoas tem alma gêmea. E outras tem a família como alma gêmea. Minha família é a minha.
Meu coração, no meio daqueles vinhedos, era uma uva passa. Não tenho mais suco para amor romântico.
Entre pés de romã, de oliveiras, de pores do sol aconchegantes, de conversas desimportantes, nos apaixonamos por Mendoza. E você pode me perguntar_ah, mas se eu não gosto de vinho devo ir pra lá? Não sei. Não é uma viagem que você precisa beber um monte pra curtir. Não é isso. Mas confesso que o vinho tem muito da sua importância na atmosfera da viagem. São 1200 vinícolas divididas em três regiões que circundam a cidade (Maipu / Vale de Uco / Luján da Cuyo), em cada uma delas é muito gostoso ouvir a história do vinho e das famílias argentinas que criaram uma vida/empresa/negócio em torno disso e, se você se interessa por vinho, todo o passeio fica muito mais interessante.
Na vida, a gente tem que eleger datas importantes (e também não tão importantes) para celebrar de um jeito diferente. Um aniversário, uma superação de uma doença, um recomeço, uma vontade, os dias, os pais, um fim de semana, estarmos vivos. Pois viajando estamos também levando nossos antepassados para viajar. Minha avó, meu avô, meus eus que vieram antes dos meus 37. Todas as minhas versões que ainda residem em mim e também aquelas que já foram.
Cheguei em São Paulo e meu sofá perguntou: Onde estavas?
Estaba viviendo.
Obrigada por me acompanhem até aqui.
Tem uma outra viagem que fiz com a família, pra Roma, que conto neste livro aqui.
E para quem se interessa por vinhos, uma newsletter que eu gosto muito e que fala de forma descomplicada do assunto é a Saca essa Rolha.
Todos os meus goles passados, antes do 87, estão disponíveis para leitura lá: www.claravanali.com.br
E tem música ao final deste texto que separei pra vocês ouvirem nesta terça.
Fiquem bem.
Um beijo,
Volto logo.
Clara Vanali.
Para acompanhar seu gole
Vou deixar esta música maravilhosa do espanhol C. Tangana, que diz preferir estar morto a estar sem os amigos e família. Aproveitem, que é uma beleza:
Você pode me escrever por e-mail ou deixar seu comentário abaixo :)
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Oi, Clara! Que bom te encontrar aqui casualmente. Demorei assimilar seu nome e Sobrenome com o blog que eu lia anos atrás. Só lendo este texto tive certeza, é a Clara do Às Claras.🫶
Que delícia de viagem!!