87 #octogésimo sétimo gole: o que somos além do trabalho?
Você conseguiria se definir se tirassem a sua profissão de você?
Oi queridos, tudo bem?
Quem são vocês?
Esses dias assisti a uma entrevista da filósofa e escritora Lúcia Helena Galvão dizendo que o ser humano tem falta de identidade.
Se você perguntar para alguém: quem é você? Ele vai ficar enrolado sem saber o que dizer. Talvez diga "ah , eu sou dentista”. Tá, mas e se você não for mais dentista, você deixa de ser você? / “Ah, eu moro em São Paulo". E se você mudar de cidade, ainda é você?
Fiquei pasma, assistindo e concordando com tudo.
Eu não sei se sei quem eu sou fora o que eu faço. Se amanhã eu não tiver mais uma produtora de vídeos, se amanhã eu não for mais filmmaker, quem eu sou?
Me vi tentando encontrar espaços para descobrir. Parecia tão fácil me definir aos meus 14 anos. Uma pessoa extrovertida, comunicativa, que fazia aulas de violão, dançava jazz, estudava muito, sonhava em ser feliz profissionalmente, católica, buscava um grande amor, tinha muitos amigos, passava horas no telefone com eles, e achava que o sofrimento de verdade jamais chegaria até mim.
No entanto, a vida passou, e eu mudei muito com ela. Vocês mudaram também?
Quem eu sou vale pelo o que eu era ou pelo o que sou agora?
Hoje me considero uma pessoa mais introvertida. Com o quê? Uns 3 amigos próximos? Sinto que me realizei profissionalmente (um dos muitos presentes que a vida me deu), sou atéia, meu violão está como decoração na minha parede, as pessoas que eu mais gosto de conversar são minha família, não procuro mais um amor e prefiro dividir um vinho com poucas pessoas do que um show com uma multidão.
Isso define quem eu sou?
Tentei pensar melhor, deve ter mais coisas. Tô me esforçando para não colocar meu trabalho e cidade como tudo o que me representa.
Sou uma pessoa que foge de conflitos, que adora dividir comida (me chama pra rachar um hambúrguer), amo tomar banho, odeio secar o cabelo, lavo fogão como ninguém, não tenho paciência pra ensinar (jamais conseguiria ser professora), me viro bem viajando sozinha, sei a letra de todas as bossas-novas da época do meu pai, posso passar horas ouvindo música dentro do carro, guardo algum arrependimento de quase todos os meus relacionamentos, sinto uma angústia todos os dias por não poder controlar o envelhecimento dos meus pais e me sinto grata por eu não ter morrido até agora.
Essa sou eu? Ou esses são apenas sentimentos e características sobre mim?
Pensa melhor.
Sou emotiva, pra valer. Eu costumava chorar muito, mas depois que você começa a tomar antidepressivo, você nunca mais chora como antes.
Amo meu sobrinho, minha vida é pelas minhas irmãs. Sou movida ao sol. Me considero uma boa ouvinte. Sei me expressar muito mais escrevendo do que falando. Sou especialista em fingir segurança. Adoro ter ataques de riso. Posso indicar uma lista de bons filmes e bons restaurantes para ser feliz. Sei escolher vinho no mercado. Me viro bem puxando assunto. Não sou boa em cozinhar. Melhor em comer.
Isso é o que eu sou?
Fiquei pensando por dias. Até que fui a uma exposição hoje e lá tinha uma frase do Carlos Drummond de Andrade que dizia assim:
“Que um sonho bom, sem fronteira, sem fim, venha clarear em nós o eu profundo (…)”
Talvez essa seja a resposta que eu buscava.
A gente tem que recorrer aos nossos sonhos pra lembrar de quem nós somos.
Somos o que são todos os nossos sonhos. Aqueles que realizamos e também aqueles que não. Os sonhos dos 14, e também aqueles que nos transformaram aos 36. Somos o que serão nossos sonhos aos 70. Os que nos fizeram e nos farão caminhar, os que mudaram os percursos e os que nos ajudaram a criar raízes onde estamos e compartilhamos.
Podemos ser muitas coisas além do nosso trabalho. A gente só precisa se lembrar.
Sou uma pessoa apaixonada pelos dias, e vivo por eles.
Obrigada por me acompanhem até aqui.
Todos os goles passados, enquanto estou nessa transição de plataforma, estão disponíveis para leitura lá: www.claravanali.com.br
Fiquem bem.
Um beijo,
Volto logo.
Clara Vanali.
Para acompanhar seu gole
Agora quero muito saber, quem são vocês? comentem pra gente se conhecer melhor :)
Vou deixar uma musiquinha, enquanto pensam em quem são, aproveitem:
Você pode me escrever por e-mail ou deixar seu comentário abaixo :)
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Um texto perfeito pra se apresentar pra quem tá chegando agora no "Sobre os Dias", pra quem já conhece a Clara ler cada linha balançando a cabeça concordando com a descrição e , se me permite, acrescentaria na sua lista: "uma pessoa que entrega emoção e reflexão semanalmente de forma escrita".
A professora Lúcia Helena traz reflexões necessárias! Eu estudo na Nova Acrópole, escola de filosofia, onde ela também é professora e lá escutamos com frequência que o ser humano desaprendeu a sonhar com ele mesmo. Nossos sonhos são pequenos, limitados ao que fazemos e produzimos, triste perceber que valemos o que produzimos do ponto de vista material. Será mesmo só isso? Eu penso que não e gostei demais da sua síntese final "Sou uma pessoa apaixonada pelos dias, e vivo por eles.", viver pelos dias, com sol ou chuva, de corpo e alma presente, sempre disposto a aprender, reaprender e renovar. A vida acontece primeiro dentro, então se expressa, há muita vida dentro do homem, são as suas motivações, sonhos, e tudo isso independe do que fazemos, temos ou conquistamos do ponto de vista externo.