gole #94: o futuro a quem pertence?
Fui buscar previsões, voltei com um lindo copo de café.
Oi queridos, tudo bem?
Existe um senhorzinho de 91 anos no bairro da Liberdade, em São Paulo, que lê a mão como ninguém. De todos os ciganos, adivinhadores, esotéricos e cartomantes deste Brasil, nada se equipara ao talento do japonês da Liberdade.
O gatinho, que fica próximo ao quiosque do adivinhador, me julgando:
achou que seria fácil se consultar, minha filha?
Ok. Talvez eu esteja exagerando.
Mas a fama é boa.
Sexta-feira. 10h da manhã.
_ por favor, onde fica o quiosque do senhorzinho que lê a mão?
- é na Galvão Bueno, um pouco antes do semáforo, senhora.
Pois então chegamos eu e minha mãe, prontinhas pra entregarmos a ele o nosso futuro. Passei até um álcool em gel mais reforçado nas mãos pra não dar erro de leitura :p
Um parênteses aqui pra explicar que isso não é algo que eu faço cotidianamente. Digo, ler as mãos. Eu não acredito em ABSOLUTAMENTE nada e nem ninguém que diz adivinhar se eu vou ter prosperidade, MAS, eu simpatizei com o japonês. Estava disposta e disponível para, pela primeira vez, ficar sentadinha só ouvindo-o dizer o que eu devo ou não fazer da minha vida. O que ele aconselhasse eu faria. Esse seria o meu momento.
Pois bem, a portinha estava fechada, com a luz lá dentro acesa. Um moço do quiosque da frente, que vendia eletrônicos, falou:
- ele está em atendimento, moça.
_ ah tá, e tem alguma fila que a gente precisa ficar pra ser atendida?
E então ele olhou pra mim pensando: que gracinha, ela acha que vai ser atendida hoje.
- moça, a senha pra atendimento com ele acabou faz tempo. as pessoas ficam das 23h às 6h da manhã para pegar as senhas, que se esgotam rapidamente. Ele tem 91 anos, só atende 16 pessoas por dia.
Eu fui ingênua, eu sei. O senhorzinho está no hype, nos tik toks, na boca do povo. E morando em São Paulo eu deveria imaginar que a fila estaria grande, só não poderia prever (com o perdão do trocadilho) que as pessoas ficariam de madrugada em pé, na Liberdade, para terem a chance de uma pessoa completamente desconhecida dizer o que as aguarda nos próximos anos.
Por que tanta obsessão pelo futuro?
O presente nunca é bom o suficiente?
Saí frustada sem saber se eu vou casar ou adotar um gato, mas com mais admiração pelo trabalho do velhinho. Ele cobra 50 reais a consulta. 50 reais! Pra quem tem fila de madrugada, isso é barato, amigos. Veja: se ele fosse um usurpador capitalista, poderia cobrar 300 reais que haveria fila do mesmo jeito. Pensando bem, se ele cobrasse 1000 reais ainda assim teria fila.
Quanto custa saber se a felicidade vai ou não desabar em nossas cabeças?
Como eu já tinha perdido a minha chance, me restava então curtir a liberdade (hoje tô muito engraçadinha). Descobri o Mugui, um restaurante que fica num prédio bem feioso, mas que por dentro é muito limpinho. Lugar silencioso, atendimento impecável. Comidinha que conforta. A melhor guioza que já comi. E estar lá dentro deve ter sido o mais próximo que eu cheguei de um restaurante do Japão (meu amigo ogawa, me corrija se eu estiver falando besteira).
Gioza grelhadinha do Mugui, vinha com um molhinho à parte.
Morar em São Paulo é estar em uma eterna viagem.
E na Liberdade, as ruas paralelas à Galvão Bueno são as melhores. Menos gente. Mais surpresinhas escondidas em lojinhas que não estão abarrotadas.
Nas andanças, descobri uma família que faz mochi artesanal e provei pela primeira vez. Se você não conhece o mochi, ele é um um bolinho de arroz que tem uma massa elástica viciante que pode trazer recheios diversos. O que eu comi levava amendoim, coco e gengibre. Lembrava uma paçoca por dentro. Gostosinho demais. A lojinha fica na frente do Mugui, na Rua da Glória.
Feliz carregando para casa os meus primeiros mochis da vida.
Tem outro achado precioso no bairro que sempre me pega. Doceria Hawei. Rua da Gloria, 592. Uma portinha que você não dá nada mas que faz o melhor pãozinho doce de feijão com nozes que existe. Posso cravar aqui que é o melhor da Liberdade.
E se você tá caindo de paraquedas em doces japoneses, fica tranquilo que esses doces com feijão não lembram em nada o feijão que você come com arroz todos os dias. O sabor é muito suave e adocicado. Sempre que vou pra Liberdade levo um pãozinho da Hawei comigo.
Pãezinhos doces da Hawei recheados com feijão ou abacaxi. Os de abacaxi me conquistaram muito também, coisa mais deliciosa da vida.
Por fim, parei na Himeya. Lojinha infinita de utensílios de cozinha, luminárias e xícaras charmosinhas. Me encantei nesse copinho da foto abaixo, com furinhos cobertos por vidro que, olhando entre eles, dá um sensação de se estar em casa de vó, em outra década, comendo um bolinho com café.
Alguém já viu um copinho de café mais lindo que esse?
E o dia todo foi assim, de entra e sai em portinhas com histórias únicas que eu mesma criei. Uma tarde ensolarada, com um ventinho gostoso batendo no rosto, um veranico perfeito com seus 24 graus.
Fui buscar o meu futuro, voltei com um copo de café.
Talvez pra me lembrar que, por mais que leiam a nossa mão, de nada adiantam previsões se a gente não se movimenta pra tudo acontecer.
De que vale um lindo copo de porcelana vazio? O café você mesmo tem que fazer.
Mas….
Será que, ao menos uma vez na vida, acordar e o café já estar pronto na mesa não traz uma sensação de conforto, de que alguém já preparou tudo pela gente, só pra variar um pouco?
Fiquei com vontade de saber.
Me espera, que um dia eu ainda consigo a senha.
Obrigada por me acompanharem até aqui!
Tem musiquinha ao final desta edição para acompanhar seu gole.
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Fiquem bem.
Um beijo,
Volto logo.
Clara Vanali.
Para acompanhar seu gole
Assisti Dias Perfeito e incorporei a playlist do filme nas minhas favoritas. Uma das músicas que me abraçou foi esta abaixo. Como eu não domino o idioma da canção, eu não sei o que significa e nem o que diz a letra, mas o ritmo, o clima, a sensação que ela me traz é boa demais. E o que é uma música senão o sentimento que ela provoca? Se deem esse presente:
Gostei do texto leve e das dicas!
Adorei