Oi queridos,
Eu acho bonita a definição da Tamara Klink para a vida. Ela diz que “a vida é uma palavra curta, que nos leva para muitos lugares. Mas é uma palavra. A primeira letra do alfabeto é a última letra da palavra vida e, essa é a graça porque, chegando ao final, encontramos com o começo da nossa descoberta do que é a vida.”
Saímos para jantar um dia desses com meus pais e minhas irmãs. Eles estavam em São Paulo e sempre temos o costume de, no dia em que eles chegam na cidade, irmos jantar no Ráscal - um dos restaurante mais generosos que existem. Comida boa, sem frescura, pão quentinho na mesa. O Ráscal é o quintal da nossa casa. Podemos levar nosso vinho, nossas histórias, rir alto, chorar na mesa e sair reconfortados ao terminar o jantar com a melhor torta de maça com sorvete de creme da cidade. Nesse dia, ao chegarmos lá, um senhorzinho muito simpático - na faixa dos seus 80 anos - tocava violão na frente do restaurante. Mais animado em encontrar pessoas que cantassem com ele do que em receber dinheiro.
“Parece que dizes te amo, Maria. Na fotografia, estamos felizes. Te ligo afobada e deixo confissões no gravador. Vai ser engraçado, se tens um novo amor.”
Minha irmã do meio, Natali, que mora hoje em Araçatuba, quis deixar um trocado para ele. Eu, na minha casca ríspida criada pela metrópole, avisei a ela que São Paulo é assim mesmo, a cada esquina tem alguém pedindo dinheiro, não tem como atender todo mundo. Mas ela simpatizou com o senhor, e, quando ela deixou o dinheiro, ele falou: na volta passem aqui que eu canto uma música para vocês.
Jantamos e saímos do restaurante com aquele encantamento inebriante que o vinho proporciona. Meus pais pegaram um táxi com a minha irmã mais velha, enquanto eu e Natali ficamos fazendo hora ali do lado do senhorzinho, acompanhando-o nas canções.
_ pode tocar qualquer MPB ou Bossa Nova que, com certeza, conhecemos - disse a ele.
E ele, sem acreditar que a gente ia de Emílio Santiago a Alcione (foi uma infância inteira regada a muitos vinis e CDs tocados na casa dos meus pais) _pode tocar que a gente sabe, senhor. E ele nos acompanhava, com sua carinha feliz e triste ao mesmo tempo, de alguém que já vivenciou muita coisa nessa estrada.
Então, passaram umas meninas adolescentes perto de nós e começaram a rir comentando entre elas, como se fôssemos duas ridículas malucas por dar audiência a um senhor perdido com uma viola.
E nós ali, pensando em como íamos deixá-lo naquela noite fria, já que tínhamos criado um momento afetuoso e ninguém, além de nós, parava para cantar com ele.
O nosso táxi chegou, a gente com um pé pra ir e um pé pra ficar, quando o senhorzinho falou: Já que vocês são de Araçatuba, vou cantar uma sertaneja para vocês.
Entramos no carro, abrimos o vidro e naquelas cenas tristes de filmes em que os avós se separam das netas (existe esse tipo de filme ou eu inventei?) ele começou:
"Ainda ontem chorei de saudade,
Relendo a carta, sentindo o perfume.
Mas que fazer com essa dor que me invade?
Mato esse amor ou me mata o ciúme."
E então nos despedimos cantando, com o rosto para fora do carro porque esse clássico não tem como não cantar junto. O taxista ria do que estava acontecendo, enquanto o senhor, com os olhos marejados, dizia: voltem mais vezes.
Entendemos que, para ele ali, não era sobre ganhar dinheiro, mas sim sobre criar conexões com as pessoas. Não fosse pela minha irmã, eu teria me encoberto com a capa da indiferença que São Paulo desenvolve em nós para não conversar com estranhos.
Aquilo, para ele, era uma distração para a solidão.
No carro, o taxista incrédulo com nós se despedindo cantando pela janela, perguntou:
_ vocês são do interior?
_ sim.
_pessoal do interior é feliz, né?
Achei bonito isso. Alguém vir e reconhecer que somos felizes. Às vezes, a gente precisa de alguém de fora para nos lembrar. Qual é a percepção que os outros têm de nós? Às vezes eu acho que eu passo a sensação de ser uma pessoa responsável, solucionadora de problemas mas… feliz?! Que sensação boa transmitir isso para alguém. Pensava que a felicidade estampada na nossa cara era só uma característica de quando somos mais jovens e ignorantes da complexidade da vida, mas não. É possível ser feliz mesmo reconhecendo a finitude disso tudo aqui. Vai ver, você que está me lendo, está exalando felicidade e nem se deu conta disso.
Fomos felizes naquele momento. Fizemos felicidade um para o outro.
Lembrei da Tamara Klink e sua definição de vida. Uma palavra curta. O tempo todo estamos chegando ao final da palavra e recomeçando. Se conectando e se despedindo. Até o fim de nossas vidas. Até quando não formos mais nós e alguém iniciar o alfabeto pela gente.
Vai ver é por isso que inventamos a felicidade. Porque não há outra opção a não ser percorrermos essa palavra curta da forma mais feliz que pudermos, mesmo quando não formos, mesmo quando não estivermos, mas para chegarmos ao final dela sabendo que tentamos ao máximo aproveitar sua imensidão.
No mais novo episódio do meu podcast (bem curtinho, tem apenas 3 minutos) falo sobre como o tempo muda à medida que crescemos. Compartilho uma história pessoal que envolve meu sobrinho, meus avós e as lembranças de uma infância onde o tempo parecia infinito. Agradeço se ouvirem e puderem compartilhar por aí. Ajuda muito esse podcast a crescer :)
Obrigada por me acompanharem até aqui.
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🥹 Se postar um story do texto me marca? @claravanali
Gosto muito de repostar.
Tem música ao final desse gole 🎶
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Para acompanhar seu gole
Uma música que me deixa feliz, esta:
Do fundo do meu coração,
Do mais profundo canto em meu interior, ô.
Pro mundo em decomposição,
Escrevo como quem manda cartas de amor.
Fiquem bem.
Um beijo,
Volto logo.
Clara Vanali.
Sobre os Dias é uma newsletter da jornalista e filmmaker Clara Vanali sobre os sentimentos e emoções dos dias. Aqui você vai ler sobre sensações, vinhos e goles compartilhados, sobre riscos e superações, sobre conversas e experiências que deixam memórias.
Mais um texto seu que parece um cobertorzinho pra gente colocar no coração.
Amei.
Coisa mais linda Clarinha <3. A cidade de SP embrutece mesmo, tem que ter alguém do interior pra mostrar o valor real das coisas. Bjinho Ba