89 #octogésimo nono gole: àqueles que não desistem de nós.
Somos amparados por uma rede de amor que nem sabemos que existe.
Oi queridos, tudo bem?
Na última sexta-feira foi o casamento de uma grande amiga, a Jô. Uma amiga que fez jornalismo comigo na faculdade, que dividimos baladas juntas, goles, choros, risadas, mas que já não nos víamos pessoalmente há anos. O que aconteceu? O que sempre acontece. A vida.
Achei que ela nem me chamaria para o casamento. E não a culparia. Não fui a amiga mais presente que existe. Mas ela me convidou e eu fiquei contente de, finalmente, nos encontrarmos após tanto tempo.
Na igreja, fiquei ali sentadinha esperando a cerimônia começar. Fazia tempo que não pisava numa igreja. Eu acho bonito aqueles vitrais coloridos com imagens de santos, que refletem luzes brilhantes na nossa pele. Verde, amarelo, azul. Fazia tempo que não sentava num banco de igreja. Daqueles de madeira, pesados. Sempre lembro da minha infância católica na igreja de Catanduva, indo às missas de Natal com a minha avó. Olhei com carinho para tudo aquilo. O padre acendendo as velas. O ritual todo se aprontando para receber o casamento. O que seria da nossa vida não fossem os rituais? Não me encontro mais na igreja católica, mas agradeci por estar vivenciando aquele momento, que me trazia memórias que eu nem sabia mais ter.
Pois o casamento começou, e eu vi que uma das madrinhas era a Tamara. E caramba. A Tamara. Eu celebrei o casamento dela. Éramos muito próximas. Fiz o papel de padre em 2016, quando escrevi um texto bonito e dei a benção a ela e o marido quando se casaram. A gente sabia tudo da vida uma da outra. E o que aconteceu? O que sempre acontece.
Pois então a Jô entrou na igreja e todo ritual começou. Um quarteto de cordas cantou as músicas mais bonitas e tristes que existem e eu, que pensava estar de boa na lagoa, comecei a chorar. Como se meu peito estivesse apertado e, de repente, naquela manhã resolvesse dizer. E então tudo acontecendo, as alianças sendo entregues, os padrinhos a cumprimentando e eu só conseguia chorar porque eu não podia ter perdido aquelas duas amizades. Era inadmissível.
Acho uma loucura os dias nos atropelarem desse jeito. Como ousam?
Ninguém teve culpa, eu sei. Talvez um pouco. Talvez muita. A gente só se afastou porque cada uma foi vivendo seus caminhos. E os caminhos às vezes são distantes, mesmo morando na mesma cidade, mesmo estando tão próximas fisicamente.
Pois minha irmã, que estava comigo, não entendeu o porquê de tantas lágrimas e eu só conseguia olhar pra ela e dizer: é pelas amizades, sabe? tô chorando pelas amizades.
Acho engraçado como o nosso coração carrega um peso enorme das faltas dos dias e, quando você menos espera, ele diz: desculpa, mas hoje não vou esconder não.
E então engoli tudo o que meus olhos diziam e fui pra festa.
Lá, com calma, encontrei e abracei Tamara. A gente só conseguia dizer o quanto estava feliz por ver uma a outra e quanto o carinho não se perde com o tempo. Sentei na mesa dela e começamos a nos encontrar no que tínhamos perdido. Eu não sabia que o marido dela tinha quase morrido de Covid. Ela não sabia que eu quase tinha morrido de embolia. Ela está trabalhando em um novo lugar, tá feliz, o casamento vai bem, filhos em breve talvez. Contei das minhas viagens recentes, do trabalho, da saúde que vai bem, dos meus pais que estão ótimos.
Que bom que você está bem, vou te levar comigo pra sempre.
Fomos pra pista de dança e lá a Jô mostrou a barra do vestido de noiva dela, que levava o nome das amigas mais queridas. E meu nome estava lá. Caceta. Eu nem sabia se merecia. De tantas pessoas deste mundo que ela vê diariamente, meu nome estava lá na barra do vestido.
As pessoas são maravilhosas, a gente se esquece disso, mas elas são.
Me emocionei com aquilo tudo. Queria abrir a caixinha do tempo e dizer:
_Tempo, eu errei com você? Será que eu passei pela vida e deixei um monte de gente no caminho?
Mas então, foi como se ele respondesse:_Chora não, a vida tem essa distância mesmo. Ela afasta as pessoas por muitos anos, amorna as memórias, faz a gente quase se esquecer do que viveu. Mas o importante é o que está no olhar dos reencontros, e o olhar não esconde. Tem muito amor por aí.
Obrigada por me acompanhem até aqui.
Todos os goles passados, antes do 87, estão disponíveis para leitura lá: www.claravanali.com.br
Também falo sobre amizades no gole 70 (Te dou a minha saudade para que você se lembre dela com amor).
E tem música ao final deste texto que separei pra vocês ouvirem nesta terça.
Fiquem bem.
Um beijo,
Volto logo.
Clara Vanali.
Para acompanhar seu gole
Existe um filme maravilhoso que chama A Chegada. No final dele, perguntam para a protagonista: se você pudesse voltar a sua vida e mudar algo, o que seria?
Ela responde:_eu diria o que sinto com mais frequência.
Essa música abaixo é tema do filme, e ela que me acompanhou durante a escrita de todo esse texto. Para ouví-la inteira, é só clicar abaixo e ir direto pro Spotify.
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minha melhor amiga acabou de voltar pra portugal, dessa vez imigrando oficialmente. chorei horrores no pós despedida, pensei muito sobre o tempo, as amizades, a presença. hoje li esse texto, chorei de novo. obrigada pela sua escrita!
Clara, obrigada por esse texto. Sendo de Minas e morando em SP há muitos anos, às vezes me encontro nessa mesma situação: o que eu fiz com as amigas de lá? O que eu faço com as amigas de cá? Gosto da ideia de que amizade é cultivo, porque assim como as plantas, é natural mas precisa de cuidado. Sigo assim, regando, guiando, às vezes podando até - amizades e plantas.